sexta-feira, 30 de setembro de 2011



 
Três urubus conversam
sobre a água-furtada.
Comentam o descaso das casas,
o vazio dos quintais.
Divagam sobre a ausência da podridão,
o cheiro que rege o percurso
dos abutres.
Lá estão eles,
sobre telhas,
a afiarem garras,
a deglutirem vísceras.
Ao erguer de asas
declinam
verbos, adjetivos.
Tentam decifrar,
do alto,
de que forma
morre o Recife.

(Fotografia de Benício Dias, do acervo da Fundaj)

sábado, 3 de setembro de 2011



Rublev
 
Rowan Williams

Um dia, Deus, pálido, chegou de uma cinzenta estepe,
olhos semicerrados contra o vento e parou
e disse: Colore-me, asperge teu sangue nos meus lábios.

Eu disse: Aqui está o sangue de todo nosso povo,
estas são tuas feridas, azul e roxo,
ouro, marrom e a pálida lavagem  cinza da morte.

Estas (deus) são as dores cromáticas da carne,
eu disse, confio que te farei corar,
Ah! Marca-te-ei com cicatrizes de nascença

 para sempre, hei de enraizar-te na madeira,
sob o sol assarei teu  pão
do pobre e nunca te deixarei partir

para o branco deserto, para a areia da privação.
Mas sentaremos e conversaremos em torno
de uma mesa e compartiremos uma refeição, uma terra.

(One day, God walked in, pale from the grey steppe,/ slit-eyed against the wind, and stopped,/ said, Colour me, breathe your blood into my mouth.//I said, Here is the blood of all our people,/ these are their bruises, blue and purple,/ gold, brown, and pale green wash of death.//These (god) are the chromatic pains of flesh,/ I said, I trust I shall make you blush,/ O I shall stain you with the scars of birth//For ever, I shall root you in the wood,/ under the sun shall bake you bread/ of beechmast, never let you forth//To the white desert, to the starving sand./ But we shall sit and speak around/ one table, share one food, one earth.)