quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012


Quase todos os dias passo pela praça que tem o nome do poeta Faria Neves (1872 -1927). É dele o poema O rio. Pela temática, pode nos lembrar Heráclito ou o Pont Mirabeau, de Apollinaire. A praça foi projetada por Burle Marx, na década de 30, período importante da arquitetura modernista no Recife, que contou, além dele, Burle Marx, com nomes como Mário Nunes e Joaquim Cardozo

 O RIO

 Faria Neves

É sempre o mesmo leito pedregoso
e, sobre o mesmo leito, o mesmo rio,
a soluçar queixoso
o mesmo murmúrio...

Tão só, no eterno marulhar das mágoas,
não são mesmas as águas...

E eu penso em mim, nas ilusões fanadas,
sempre desfeitas, sempre renovadas...

E comparo-me ao rio, tristemente...
E comparo-as às águas da corrente.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012



wb na universidade

ninguém na universidade
dar-lhe-ia abrigo
o curriculum
não lhe abriria o portão
nenhuma chave se moveria
ao que busca escancarar
a cela do futuro
ali penetrará
quem dominar ofícios
graduar pontuações
estilhaços do cristal da vida
aludiriam ao haxixe às 7 da noite
num pequeno quarto
no centro de Marselha
pensamentos suspensos em brinquedos
os choques das multidões
lidos como formas preponderantes das sensações
e a denúncia de bienais exposições
louvores à mercadoria fetiche
perguntariam com que passaporte
preencheria o questionário
de algum departamento
o código para desmontar
a astronomia dos livros
lançados pelos bulevares de Paris
que reitor se sublevaria
contra os anátemas de frankfurt
sem guerra ou o trovejar
de trombetas messiânicas
nenhum narrador
desfolharia sua história
mesmo se encontrasse no caminho
um monte de pedras de um cemitério
na fronteira de espanha
ou o anjo de paul klee
a anunciar a ventania do progresso
(ilustrações: Paul Klee + Paulo Carvalho, capa Suplemento Cepe)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012


A carta de Flaubert

À Mademoiselle Leroyer de Chantepie.
[Croisset, 4 septembre 1858.]

Vous devez me trouver bien oublieux, chère Demoiselle. Excusez-moi, je travaille en ce moment-ci énormément. Je me couche tous les soirs exténué comme un manoeuvre qui a cassé du caillou sur les grandes routes. Voilà trois mois que je n’ai bougé de mon fauteuil que pour me plonger dans la Seine, quand il faisait chaud. Et le résultat de tout cela consiste en un chapitre ! Pas plus ! Encore n’est-il pas fini. J’en ai encore au moins une dizaine à faire, je ne sais rien du dehors et ne lis rien d’étranger à mon travail. Il est même probable que je n’irai guère à Paris cet hiver. Je laisserai ma mère y aller seule. Il faudra pourtant que je m’absente au mois de novembre une quinzaine de jours, à cause des répétitions d’Hélène Peyron, un nouveau drame de mon ami Bouilhet, qui sera joué à l’Odéon. À propos de mes amis, avez-vous lu Fanny, par E Feydeau ? Je serais curieux de savoir ce que vous en pensez.
Maintenant que j’ai parlé de moi, parlons de vous.
Vous m’avez envoyé une bien belle lettre la dernière fois. L’histoire de Mlle Agathe m’a navré ! Pauvre âme ! Comme elle a dû souffrir ! Vous devriez écrire cela, vous qui cherchez des sujets de travail. Vous verriez quel soulagement se ferait en votre coeur, si vous tâchiez de peindre celui des autres.
Le conte que j’ai reçu de vous au mois d’avril n’a pas été remis à la Presse, parce qu’il m’est arrivé la veille ou l’avant-veille de mon départ. Il est resté à Paris dans mon tiroir ; je sais d’ailleurs qu’on le refuserait à cause du sujet, qui ne convient pas aux exigences du journal. J’essayerai, cependant. Pourquoi ne travaillez-vous pas davantage ? Le seul moyen de supporter l’existence, c’est de s’étourdir dans la littérature comme dans une orgie perpétuelle. Le vin de l’Art cause une longue ivresse et il est inépuisable. C’est de penser à soi qui rend malheureux.
J’ai été bien impressionné par le massacre de Djedda et je le suis encore par tout ce qui passe en Orient. Cela me paraît extrêmement grave. C’est le commencement de la guerre religieuse. Car il faut que cette question se vide ; on la passe sous silence et au fond c’est la seule dont on se soucie. La philosophie ne peut pas continuer à se taire ou à faire des périphases. Tout cela se videra par l’épée, vous verrez.
Il me semble que les gouvernements sont idiots en cette matière. On va envoyer contre les musulmans des soldats et du canon. C’est un Voltaire qu’il leur faudrait ! Et l’on criera de plus belle au fanatisme ! à qui la faute ? Et puis, tout doucement, la lutte va venir en Europe. Dans cent ans d’ici, elle ne contiendra plus que deux peuples, les catholiques d’un côté et les philosophes de l’autre.
Vous êtes comme elle, vous, comme l’Europe, – déchirée par deux principes contradictoires, et c’est pour cela que vous êtes malade.




Em todo curso de literatura deveria ser obrigatória a leitura de um dos mais instigantes ensaios literários: A orgia perpétua, de Mario Vargas Llosa. O título é tirado de uma frase de Gustave Flaubert, que serve de epígrafe ao livro (“O único meio de suportar a existência  é de se aturdir  na literatura, como numa orgia perpétua”) e consta de uma correspondência dirigida a Mlle. Leroyer de Chantepie, dois anos depois de Madame Bovary ter sido publicado pela primeira vez, em La Revue de Paris.
La orgia perpetua começa com um capítulo intitulado Uma paixão não correspondida, no qual Vargas Llosa descreve como brotou, e nunca cessou de crescer, sua admiração pelo escritor francês, tido como o pai do romance moderno.  Em seguida, sob a forma de uma espécie de entrevista a si mesmo, responde às questões que procuram explicar o surgimento da ideia do Madame Bovary e todos os mecanismos utilizados na sua realização. Vem depois a análise crítica de Vargas Llosa, descrição dos mecanismos literários utilizados por Flaubert, muitos dos quais o escritor peruano iria se valer em romances como seu último O sonho do Celta.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012



Quando ouvi a música Água viva (Raul Seixas e Paulo Coelho), algo me disse: conheço bem a fonte. A fonte, que é vinho, conforme observou um amigo crítico; vinho, transformado em sangria. Porque a fonte é um poema de San Juan de la Cruz, o Cantar da alma que se alegra em conhecer Deus pela fé. A fonte que mana e corre foi cantada pelas crianças da Funase, no auditório da Compesa. Qual delas um dia irá saborear a poesia do grande místico espanhol, despida de ‘adaptações’, na pureza de olho d’água da serra ou do vinho que também umedeceu a boca de Hafiz?

Água Viva
 Raul Seixas

Eu conheço bem a fonte
Que desce aquele monte
Ainda que seja de noite
Nessa fonte está escondida

O segredo dessa vida
Ainda que seja de noite
"Êta" fonte mais estranha,
que desce pela montanha
Ainda que seja de noite.

Sei que não podia ser mais bela
Que os céus e a terra, bebem dela
Ainda que seja de noite

Sei que são caudalosas as correntes
Que regam os céus, infernos
Regam gentes
Ainda que seja de noite

Aqui se está chamando as criaturas
Que desta água se fartam mesmo
às escuras
Ainda que seja de noite
Ainda que seja de noite...

Eu conheço bem a fonte
Que desce daquele monte
Ainda que seja de noite
Porque ainda é de noite!
No dia claro dessa noite!
Porque ainda é de noite
***
Cantar del alma que se huelga 
de conocer a Dios por fe

San Juan de la Cruz

Qué bien sé yo la fonte que mane y corre,
aunque es de noche.

1. Aquella eterna fonte está escondida,
que bien sé yo do tiene su manida,
aunque es de noche.

2. Su origen no lo sé, pues no le tiene,
mas sé que todo origen de ella tiene,
aunque es de noche.

3. Sé que no puede ser cosa tan bella,
y que cielos y tierra beben de ella,
aunque es de noche.

4. Bien sé que suelo en ella no se halla,
y que ninguno puede vadealla,
aunque es de noche.

5. Su claridad nunca es oscurecida,
y sé que toda luz de ella es venida,
aunque es de noche.

6. Sé ser tan caudalosos sus corrientes.
que infiernos, cielos riegan y las gentes,
aunque es de noche.

7. El corriente que nace de esta fuente
bien sé que es tan capaz y omnipotente,
aunque es de noche.

8. El corriente que de estas dos procede
sé que ninguna de ellas le precede,
aunque es de noche.

9. Aquesta eterna fonte está escondida
en este vivo pan por darnos vida,
aunque es de noche.

10. Aquí se está llamando a las criaturas,
y de esta agua se hartan, aunque a oscuras
porque es de noche.

11. Aquesta viva fuente que deseo,
en este pan de vida yo la veo,
aunque es de noche.