A vida pessoal de Fenollosa e suas origens familiares nos impressionam igualmente pelos seus lados romanescos. Ernest Francisco Fenollosa foi ‘talvez’ um descendente direto desste Alvarado, tenente de Cortez no México, que tinha se casado com a filha do rei Tlasclan. O pai de Fenollosa, Manuel, foi prodígio musical em Málaga, antes de emigrar para Salem, Massachusetts; sua mãe, Mary Silsbee, vinha de uma família de navegadores que faziam a rota da China. Fenollosa cresceu no Salem dos anos 1850 a 1860, embalado por histórias sobre o sol espanhol e os tesouros do Extremo-Oriente. Sua mãe morreu quando ele tinha treze anos. Seu pai suicidou-se doze anos mais tarde. Então ele se casou com o seu amor de infância e levou a mulher para o desconhecido, ao Japão. A sorte lhe sorri, e quando ele voltou para Boston, em 1890, era um homem próspero e cheio de futuro. Mas arruinou sua carreira fugindo com uma jovem mulher em direção a uma nova vida de sábio errante. Produziu então as suas obras mais originais, mas foi interrompido por uma doença repentina. Suas cinzas repousam no Japão, perto de um templo budista de que gostava, sobre as colinas que dominam o lago Biwa.
quinta-feira, 19 de março de 2009
A vida pessoal de Fenollosa e suas origens familiares nos impressionam igualmente pelos seus lados romanescos. Ernest Francisco Fenollosa foi ‘talvez’ um descendente direto desste Alvarado, tenente de Cortez no México, que tinha se casado com a filha do rei Tlasclan. O pai de Fenollosa, Manuel, foi prodígio musical em Málaga, antes de emigrar para Salem, Massachusetts; sua mãe, Mary Silsbee, vinha de uma família de navegadores que faziam a rota da China. Fenollosa cresceu no Salem dos anos 1850 a 1860, embalado por histórias sobre o sol espanhol e os tesouros do Extremo-Oriente. Sua mãe morreu quando ele tinha treze anos. Seu pai suicidou-se doze anos mais tarde. Então ele se casou com o seu amor de infância e levou a mulher para o desconhecido, ao Japão. A sorte lhe sorri, e quando ele voltou para Boston, em 1890, era um homem próspero e cheio de futuro. Mas arruinou sua carreira fugindo com uma jovem mulher em direção a uma nova vida de sábio errante. Produziu então as suas obras mais originais, mas foi interrompido por uma doença repentina. Suas cinzas repousam no Japão, perto de um templo budista de que gostava, sobre as colinas que dominam o lago Biwa.
segunda-feira, 2 de março de 2009
Quando fez sua grande viagem, em outubro de 2007, encontrava-me na França, em Nantes. Numa leitura de poesia, na sala Pannonica – especializada em jazz, mas onde a Maison de la Poèsie realiza seus eventos – li o poema clássico de Alberto, Os emigrantes. Fiz minha leitura em português e o poeta Bernard Bretonnière encarregou-se de ler a tradução francesa de Renaud Barbaras. O silêncio que se fez depois me levou a escutar um leve barulho, que ainda não sei se era vôo de pássaro ou o eco longínquo do último trem de Joaquim Cardozo subindo ao céu... Lembrei de uma das últimas vezes que avistei Alberto. Nossos encontros eram raros e se davam sempre na Biblioteca Pública, onde ele dirigia a seção de obras raras. Disse-lhe que entre seus livros eu preferia Noticiário. Também era sua opinião, disse-me. Falamos de Horácio, das odes de Horácio, um de seus poetas preferidos. E por cima de seu ombro li – como o fazia a cada vez que voltava à Biblioteca –, um de seus mais belos poemas, Seção de obras raras, emoldurado na parede da sala onde trabalhava. E assim deveria estar em todas as bibliotecas públicas do país.
Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.
De uma quadra a outra
do tempo,
de uma praia a outra
do Atlântico,
de uma serra a outra
das cordilheiras,
todos emigram.
Para o corpo de Berenice
ou o coração de Wall Street,
para o último templo
ou a primeira dose de tóxico,
para dentro de si
ou para todos, para sempre
todos emigram.
Chant des émigrants
Avec leurs oiseaux
ou le souvenir de leurs oiseaux,
avec leurs enfants
ou le souvenir de leurs enfants,
avec leur peuple
ou le souvenir de leur peuple,
tous émigrent.
D’un moment à l’autre du temps,
d’une plage à l’autre
de l’Atlantique,
d’une chaîne à l’autre
de la cordillère,
tous émigrent.
Pour le corps de Bérénice
ou le cœur de Wall Sreet
pour le dernier temple
ou la première dose de poison,
pour l’intérieur de soi
ou pour tous, pour toujourstous émigrent
(tradução de Renaud Barbaras)
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A ilustração é o Angelus Novus, de Paul Klee.Edson Nery da Fonseca me perguntou quem era o autor de um belíssimo poema que ele havia lido, intitulado Bruxelas e eu lhe respondi que era Domingos Alexandre. Sugeri que os dois se conhecessem. O que foi feito. A mídia literária fashion de Pernambuco tem deixado de lado nomes como o de Domingos Alexandre, cuja cultura e domínio poético o situam entre os melhores poetas brasileiros contemporâneos. Enquanto isso, ele continua a estudar línguas, sua distração predileta, e a escrever poemas, dos quais Bruxelas é uma pequena mostra.
Bruxelas
A Esman Dias
Escurecia e o dia era tão frio
que cada rua era um desvão sombrio
e nossos passos pelo calçamento
num compasso de mudo desalento
soavam como fuga para o Eterno
ante o cerco sem fim daquele inverno.
As pessoas envoltas em seus mantos
passavam numa profusão de espantos
perdendo-se, de vez, por trás dos muros
em busca de lugares mais seguros
e o céu baixava com indiferença
a nublada carranca. A noite imensa
sem coorte de estrelas e sem lua
caía bruscamente sobre a rua.
E eu seguia sem rumo e sem saída
na noite que inundava minha vida.
Sob os arcos de um velho monumento
gemia um vagabundo sonolento
e o vento uivando para todo lado
passava como um lobo esfomeado.
Naquela noite minha solidão
se arrastava ao meu lado como um cão
que embora exposto à dor e ao abandono
se recusava a abandonar o dono.
E eu, desterrado e, ali, vagando a esmo,
carregando esse espectro de mim mesmo,
caminhava sob a garoa fria
que doía nos ossos e feria
com as pontas dos dedos o meu rosto
aumentando-me a chaga do desgosto
numa Bruxelas para sempre hostil,
a centenas de léguas do Brasil.
A ilustração é do pintor belga Paul Delvaux (1897-1994).
domingo, 1 de março de 2009
Forse un mattino andando in un’aria di vetro...
Talvez uma manhã andando em ar de vidro,
árido, voltando-me, verei cumprir-se o milagre:
o nada a minhas pés, o vazio detrás
de mim, com um terror de ébrio.
Depois, como num quadro, acamparão de chofre
árvores casas colinas, para o engano costumeiro.
Mas eis que será tarde: e eu andarei mudo,
entre os homens que não se voltam, com meu segredo.
A propósito desse poema de Eugenio Montale, escreveu Ítalo Calvino: “O ar-vidro é o verdadeiro elemento dessa poesia, e a cidade mental em que a situo é uma cidade de vidro que se faz diáfana até desaparecer. É a determinação do meio que desemboca no sentido do nada (enquanto em Leopardi é a deterinação que atinge o mesmo efeito). Ou, para ser mais preciso, existe um sentido de suspensão, do ‘Talvez certa manhã’ inicial, que não é indeterminação mas equil[íbrio atento, ‘andando em ar de vidro’, quase caminhando pelo ar, no ar, no frágil vidro do ar, na luz fria da manhã, até que não nos damos conta de estar suspensos no vazio” (...).”
CALVINO, I. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras. 2007. p. 223.