Hélio Pellegrino
De conversa com Fábio Andrade, recordamos o belíssimo livro de Hélio Pellegrino, Minérios domados, publicado pela Rocco, em 1993. Nascido em 1924 e falecido em 1988, psicanalista, escritor, Hélio Pellegrino não pode cair no estranho “paradigma do esquecimento” que rege a história brasileira. Catei dois diamantes de sua lavra: um poema e o trecho de uma entrevista com Clarice Lispector, do livro dela intitulado De corpo inteiro, também da Rocco, editado em 1999.
La Vida es Sueño
La Vida es Sueño
A pedra
a pedra como o fogo
com suas resinas e ramas
a pedra como o fogo
é um sonho
de pálpebras abertas.
O sonho é quando
no veludo íntimo da noite
fogo e pedra se sonham:
— as pálpebras cerradas.
Um homem chamado Hélio Pellegrino
- Diga qual é a sua fórmula de vida. Eu queria imitar.
-Há, no Diário íntimo de Kafka, um pequeno trecho ao qual gostaria de permanecer para sempre fiel, fazendo dele a minha fórmula de vida: "Há dois pecados humanos capitais dos quais todos os outros decorrem: a impaciência e a preguiça. Por causa de sua impaciência, foi o homem expulso do paraíso. Por causa de sua preguiça, não retornou a ele. Talvez não exista senão um pecado capital, a impaciência. Por causa da impaciência, foi o homem expulso, por causa dela não consegue voltar. Tenhamos paciência - uma longa, interminável paciência - e tudo nos será dado por acréscimo"
- Por que você escreve esporadicamente e não assume de uma vez por todas o seu papel de escritor e criador?
Poderia driblar essa pergunta, respondendo com uma meia-verdade - escrevo menos esporadicamente do que publico. Mas esta seria uma saída falsa, e não quero ser falso. Escrever e criar constituem, para mim, uma experiência radical de nascimento. A gente, no fundo, tem medo de nascer, pois nascer é saber-se vivo e - como tal - exposto à morte. Escrevo mais do devo para - quem sabe? - manter a ilusão de que tenho um tempo longo pela frente. A meu favor, posso dizer a você que, com freqüência, agarro-me pelas orelhas e me ponho ao trabalho. Há umas coisas valiosas nas quais acredito, com muita força. Preciso dizê-las e vou dizê-las.
- Hélio, diga-me agora, qual é a coisa mais importante do mundo?
-A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma e intensa mutalidade do amor. O Outro é o que importa, antes e acima de tudo. Por mediação dele. Na medida em que o recebo em sua graça, conquisto para a mim a graça de existir. É esta fonte da verdadeira generosidade e do entusiasmo - Deus comigo.O amor genuíno ao Outro me leva à intuição do todo e me compele à luta pela justiça e pela transformação do mundo.
- Que é amor?
Amor é surpresa, susto esplêndido - descoberta do mundo. Amor é dom, demasia, presente. Dou-me ao Outro e, aberto à sua alteridade, por mediação dele, recebo dele o dom de mim, a graça de existir, por ter-me dado.
- Helio, você é analista e me conhece. Diga-me sem elogios - quem sou eu, já que você me disse quem é você...
-Você, Clarice, é uma pessoa com uma dramática vocação de integridade e totalidade. Você busca, apaixonadamente, o seu self... e esta tarefa a consome e faz sofrer. Você procura casar, dentro de você, luz e sombra, dia e noite, sol e lua...
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