Osman Lins sobre Anatol Rosenfeld
(...) “Um rabino pronunciou as orações rituais enquanto o corpo descia à cova e jogavam terra sobre ele. Fazia sol e ventava, o vento arrebatava os lenços com que alguns homens, segundo o costume judeu, tinham coberto a cabeça. O chão brasileiro, que ele adotara e que lhe fora mais ameno que a terra do seu nascimento (à qual nunca voltou), abria-se e acolhia-o materialmente, para sempre. A migração era definitiva. Enquanto o via desaparecer, aprendi, de súbito, como num diagrama, a humildade e a grandeza da sua trajetória. Aquele homem pequeno e quase sempre sorridente empreendera com o mundo um combate de que poucos têm notícia. Amando os livros e o ato de escrevê-los, dera de ombros a tudo e a eles consagra-se. Era, de certo modo, um herói da palavra – e, portanto, com algo de patético, como todos os heróis. (...)
Movido por um impulso obscuro, indaguei do rabino, teminada a cerimônia, se sabia que acabara de oficiar a inumação d um grande homem. Inquietava-me o receio de que Anatol Rosenfeld, para quem as palavras sempre haviam tido uma importância extrema, pudesse ser entregue à terra com palavras ocas e sem que o oficiante tivesse uma idéia do que fora em vida o morto.
Olhou-me o rabino com uma certa surpresa, talvez com a suspeita de haver cometido um engano irreparável, e repondeu-me:
-‘Não. Quem era ele?’.”
(...) “Um rabino pronunciou as orações rituais enquanto o corpo descia à cova e jogavam terra sobre ele. Fazia sol e ventava, o vento arrebatava os lenços com que alguns homens, segundo o costume judeu, tinham coberto a cabeça. O chão brasileiro, que ele adotara e que lhe fora mais ameno que a terra do seu nascimento (à qual nunca voltou), abria-se e acolhia-o materialmente, para sempre. A migração era definitiva. Enquanto o via desaparecer, aprendi, de súbito, como num diagrama, a humildade e a grandeza da sua trajetória. Aquele homem pequeno e quase sempre sorridente empreendera com o mundo um combate de que poucos têm notícia. Amando os livros e o ato de escrevê-los, dera de ombros a tudo e a eles consagra-se. Era, de certo modo, um herói da palavra – e, portanto, com algo de patético, como todos os heróis. (...)
Movido por um impulso obscuro, indaguei do rabino, teminada a cerimônia, se sabia que acabara de oficiar a inumação d um grande homem. Inquietava-me o receio de que Anatol Rosenfeld, para quem as palavras sempre haviam tido uma importância extrema, pudesse ser entregue à terra com palavras ocas e sem que o oficiante tivesse uma idéia do que fora em vida o morto.
Olhou-me o rabino com uma certa surpresa, talvez com a suspeita de haver cometido um engano irreparável, e repondeu-me:
-‘Não. Quem era ele?’.”
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O texto é parte de um artigo de Osman Lins publicado em 28.04.1974, no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo e reproduzido no livro Vitral ao sol, organizado por Ermelinda Ferreira (Editora Universitária da UFPE, 2004). A ilustração é de Chagall.
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Um comentário:
É pena que o texto não tenha saído completo no blog...
É simplesmente belíssimo.
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