quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Para Mamíferos
A farta teta da literatura


Para Mamíferos, a mais nova revista sobre artes da cidade, tem sua primeira edição lançada hoje. Nas suas páginas, as muitas faces da literatura local, nacional e internacional se misturam a matérias de cunho jornalístico e histórico

Thiago Barros

especial para O POVO
thiagobarros@opovo.com.br22 Out 2009 - 01h45min

Como colostro na boca do rebento. É dessa imagem que os editores da mais nova revista sobre literatura e artes em geral de Fortaleza lançam mão para se apresentarem ao mundo. Para quem não sabe, o colostro é a primeira alimentação dos filhotes de certa classe de animais, assim que eles deixam o ventre da mãe. O pequeno texto inicial, que se destaca de uma página-dupla ornada por figuras de bebês em posição fetal, serve como um aviso a quem pegou o volume inadvertidamente às mãos. Nele, a Para Mamíferos assume o papel de provedora. Se não de alimento para o corpo, de comida fresca para quem vive de arte. Com um conjunto editorial formado por Tércia Montenegro, Pedro Salgueiro, Glauco Sobreira, Jesus Irajacy Costa, Raimundo Netto e Nerilson Moreira, a primeira edição da publicação, que terá periodicidade semestral, conta com um pouco menos de 80 páginas, dentro das quais matérias jornalísticas, como o relato de Renato Barros de Castro de uma viagem que fez à Polônia, onde se deparou com os vestígios do nazismo, se misturam a poesias e contos de autores locais e de grandes nomes da literatura nacional e mundial. Logo na página seguinte à citada advertência preliminar, um conto inédito do curitibano Dalton Trevisan dá as boas-vindas. Ainda na edição, constam uma entrevista com a escritora Ana Miranda e uma seção com traduções de textos de Ernest Hemmingway e de Gertrude Stein, além de uma matéria especial sobre a geração pós-Clâ de escritores cearenses. Um artigo de Ghil Brandão sobre o Teatro Radical traz também a arte dramática à baila. Quando perguntada sobre a origem do curioso nome da revista, Tércia Montenegro explica que foi uma ideia de Glauco Sobreira, que surgiu de uma série de reuniões entre os seis editores. "O nome tem o papel de nortear o perfil da revista. Nós queríamos algo diferente, algo que causasse estranheza e, quando o Glauco sugeriu esse, foi quase unanimidade", revela. De acordo com a escritora, é possível se fazer uma aproximação entre o simbolismo do título, do colostro, dos fetos que pontuam o fim de cada artigo e dos seios fartos do porta-lápis que ilustra a capa com a imagética que tem o pão para a Padaria Espiritual, a saber, o de literatura como alimento para a alma. Segundo ela, a Para Mamíferos contará com algumas seções que devem se repetir em todos os números, como, por exemplo, a Literatrilhas, que traz relatos de viagens de escritores, e a que destaca entrevistas com grandes nomes do cenário local. Essa composição de conteúdo, Tércia revela, foi feita a partir de consultas a várias revistas de temática semelhante das quais os editores são leitores, já que o grupo idealizador da publicação toca sozinho a iniciativa, sem qualquer tipo de auxílio de editoras. Por sua vez, o também escritor Raymundo Netto, lembra, no entanto, que eles seguiram um modelo, mas procuraram o ineditismo dentro dele. Dessa busca, Raymundo enumera como frutos o texto do esquivo Danton Trevisan e o conto de Juarez Barroso, que foi retirado por ele próprio de seu livro Mundinha Panchico e o resto do pessoal, e não tinha sido publicado até agora. Sobre o perigo de se tornar uma publicação isolada, com o estigma de "local", Raimundo é taxativo. "Procuramos romper as barreiras do Ceará", diz. Para ele e para Tércia, a Para Mamíferos tem o papel de fazer as duas mãos do percurso: trazer ao Estado um pouco da produção de fora e levar um pouco daqui também para outros lugares. Não há, contudo, maiores ambições por trás disso. "Não vamos viver disso", sentencia Tércia, que acumula, ao lado da atividade artística, o trabalho de professora universitária. "Vamos fazer a nossa parte e ver o que acontece", acrescenta, despretensiosamente, Raimundo. Os dois concordam, contudo, que a iniciativa pode se tornar um exemplo para editoras que queiram adentrar nesse nicho, talvez até adotando a Para Mamíferos daqui para frente. Também preocupado em expandir os limites espaciais, mas também os temporais e todos os demais, Pedro Salgueiro, outro dos seis editores, ressalta que não foi objetivo deles fazer uma revista com uma cara excessivamente jovem. Por outro lado, a ideia não é, tampouco, a de a dedicar totalmente ao passado. A intenção, conta ele, foi, sim, a de englobar o mais amplo espectro possível. "Não temos preconceito de nenhum tipo. Tentamos abarcar a diversidade", afirma Pedro. "Do total, 80% da revista é cearense, mas temos nomes nacionais e a parte de traduções, com a qual procuramos fazer essa ponte", complementa. Além dela, ele lembrou a potencialidade do espaço intitulado Caixa de Espantos para revelar jovens escritores, bem como o desejo de se continuar a fazer "dossiês" sobre a história da arte cearense, tais qual o da geração pós-Clã.
SERVIÇO PARA MAMÍFEROS - Lançamento da revista literária editada por Glauco Sobreira, Jesus Irajacy Costa, Nerilson Moreira, Pedro Salgueiro, Raymundo Netto e Tércia Montenegro, com performance de Ricardo Guilherme e Gil Brandão. Hoje, às 19h, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, ao lado da Livraria Livro Técnico. Preço: R$10. Outras informações: paramamiferos@gmail.com.
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http://opovo.uol.com.br/opovo/vidaearte/921119.html
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terça-feira, 20 de outubro de 2009


Para Mamíferos 1
Uma Revista de Letras e Artes

Data: 22 de outubro de 2009 (quinta-feira)
Horário: a partir das 19h30
Local: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Espaço ao lado da Livraria Livro Técnico
Editores: Glauco SobreiraJesus Irajacy CostaNerilson Moreira
Pedro SalgueiroRaymundo NettoTércia Montenegro
Presença no lançamento: Caio Porfírio Carneiro, Ana Miranda e performance de Ricardo Guilherme e Gil Brandão
Preço: R$ 10,00 (dez reais)
Contato da Redação (aquisição de revistas, críticas, sugestões e outros): paramamiferos@gmail.com

Em Para Mamíferos:

Entrevista exclusiva e curiosa com a escritora Ana Miranda
A Geração Pós-Clã, dossiê de um capítulo da literatura cearense
Contos de Caio Porfírio Carneiro, José Maia,
José Alcides Pinto, Mário Pontes e Juarez Barroso
Inédito e exclusivo Para Mamíferos conto de Dalton Trevisan
Literatrilhas revela: O Holocausto existiu! — A radicalidade e o radicalismo do Teatro Radical Brasileiro, ponto a ponto, por Ghil BrandãoNerilson Moreira Procura um Poeta de Meia Tigela (e ele existe?) — GlauQUADRINHOS x Beckett —Traduções inéditas dos escritores/tradutores Ruy Vasconcelos e Virna Teixeira
para Hemingway e Gertrude Stein
Da Caixa de Espantos nos saltam poesia e prosa selecionadas
(Henrique Dídimo, Luciano Bonfim, Carlos Nóbrega, Everardo Norões,
Carmélia Aragão, Fayga Bedê, Amílcar Bettega)
Como Você Nunca Viu… mas verá, com Sânzio de Azevedo.
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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ouvir Messiaen...

Escuto, várias vezes seguidas, um CD que nos foi ofertado por nossa amiga Dominique Coffin, da cidade francesa de Nantes: um programa da rádio France Culture, apresentado por sua filha Louise, dedicado ao compositor Olivier Messiaen. Louise é uma jovem música, que estudou no Liceu Clemenceau, por onde também passou Olivier Messiaen na sua juventude. Esta a razão pela qual o toque de chamada do colégio é um trecho da sinfonia Turangalila. Nessa sinfonia Messiaen utilizou instrumentos musicais típicos da Indonésia.
Messiaen era também ornitólogo. Para algumas de suas composições (Pássaros exóticos ou Catálogo de pássaros, por exemplo) valeu-se de gravações de pássaros de vários recantos do planeta. Um dos músicos que revolucionaram a música do século XX e cuja influência marcou músicos como Pierre Boulez, Messiaen era profundamente católico. Tenho dele o CD Quatuor pour la fin du temps (Quarteto para o fim do tempo), composto em 1940 - quando ele se encontrava prisioneiro de guerra num campo de concentração da Silésia -, obra claramente inspirada pelo Apocalipse de São João.
Uma declaração de Messiaen: “Aspiro a uma música...que seja uma nova seiva, um novo gosto, um amor desconhecido, um pássaro em eterno crescimento...; uma música que simbolize o final dos tempos, a onipresença, os corpos transfigurados, os segredos divinos e sobrenaturais; um arco-íris teológico”.

Obrigado, Louise!
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Diário do Nordeste 16.10.09
(Uma entrevista com Manoel Ricardo de Lima)

Carlos Augusto Lima

Uma conversa: poesia número 7

Acho que insistir no poema tem a ver um pouco com o desequilíbrio. E isto, talvez, só se torne possível fora das imposições cotidianas de uma vida normatizada. Poeta é também o que não conforma. Estamos diante de uma espécie de ruína plena do afeto, como se as coisas todas do mundo estivessem atomizadas.

Com esta conversa poesia, a de número 7, encerro cá um ciclo, um estiramento de papo com alguns bons poetas de cá, ou de cá ao longe, este melhor lugar de ficar. Sete conversas que me deixaram feliz, escolhas certeiras, precisas, inteligentes. Que outras venham, de outra forma, outros lugares do saber e conhecer. Ou que seja apenas silêncio, quem sabe.

Para este último papo, convido Manoel Ricardo de Lima, que nasceu no Piauí, mas é cearense, e anda nos longes de uma ilha, fincando lastros, conexões, conversas das mais variadas, que esticam o dedo de prosa para além da literatura (por ela mesma), e prefere criar um território de saber, contemporâneo, sem mesmo a ideia de território, como você vai ler e verá. Manoel é uma das vozes críticas mais contundentes e espertas da literatura contemporânea brasileira. Voz aguda, diversa, filosófica, de mil referências e saberes atuais que tanto o empolgam. Entre tantas e outras coisas, Manoel Ricardo foi articulista deste jornal, é doutor em Literatura e Textualidades Contemporâneas, pensando Joaquim Cardozo, pela UFSC, e retomou a escrita do poema no seu mais recente livro "Quando todos os acidentes acontecem" (Editora 7 Letras, 2009). Com vocês, Manoel. Que esteja presente.


1) Por que escrever poesia, essa insistência?


Ontem assisti a um documentário simples, O equilibrista, sobre o cara que andou entre as torres do WTC, Philippe Petit, não pelo filme, nada pelo filme, mas pelo ato poético, este ato que não tem porquê. 45 minutos num cabo, pra lá e pra cá, entre os terraços das torres, solto no tempo e com um imenso sorriso aliviado no rosto. Então é óbvio que Petit se irrite com a pergunta que todos lhe fazem: "mas por que você fez isso?", e se irrita porque defende o gesto de uma vida mais perto do perigo, uma vida que possa provocar uma rebelião. Acho que insistir no poema tem a ver um pouco com isso, com o desequilíbrio do corpo lançado sobre um fio de vida alegre. Poesia, acredito, é lançamento. E isto, talvez, só se torne possível fora das imposições cotidianas de uma vida normatizada. Esta insistência passa um pouco por aí, por uma certa ética para o fanciullo, para a imaginação, para o amor, para o acidente que é o amor (descontrole, fúria, rasgo, acesso, distração, comum etc, e o que mais você quiser incluir aí, acho que cabe). E este ato não tem a ver com a palavra, apenas, isto me parece pobre e muito cristão, mas tem a ver com os modos de uso dos corpos com a vida, das operações do corpo e seus gestos políticos mais tensos. Quando escrevo, escrevo assim, como uma responsabilidade para nada, como "um território de luta", uma recusa e um lance com uma história aberta. E tenho tido cada vez mais vontade de escrever pra nada, num caráter insustentável do sentido.


2) Me faça um paralelo entre poesia/mundo. O que é ser poeta na condição de hoje?


Poeta é o que está expulso, Carlos, mas é também o que não conforma. Estamos diante de uma espécie de ruína plena do afeto, como se as coisas todas do mundo estivessem atomizadas. E estas mesmas coisas, me parece, de fato, todas elas, sem exceção, não tem mais saber histórico, não tem história, mas apenas um ajuste de emergência para o progresso. Uma história pré-fabricada, a que chamamos de poder, é a lei única e definitiva. O que nos sobra, a angústia? Esta pergunta é a marca feita com água a partir de uns versos de Alexandre Barbalho, "só o que me salva é a / angústia"; versos que vem como afirmativa, inclusive. A questão para o poeta agora, imagino, ainda pode ser retomar a utopia como um campo desejante, um campo para o desejo. Sempre com uma imprecisão interrogativa: como furar o campo da necessidade, que é o da política, com um poema, para armar um estado de utopia? Eu insisto nisso do poema porque preciso de um sonho, Carlos, ao menos um. Fazer a flor que posso ou tocar com a ponta do meu nariz num ponto furo de alguma ou qualquer imagem do mundo.


3) Simples: o que é escrever poesia em Fortaleza. Que tipo de reflexões pode apontar a partir desse dado?


Se eu começar a pensar em Fortaleza só como este lugar que tem nome de forte, posso começar a me sentir como Julio Cesar Chaves e desferir uns ganchos de esquerda, quase sem desperdício. Você deve lembrar que em 1990 Chaves ficou mais célebre ainda depois de derrubar Meldrick Taylor no último round, quando perdia por pontos, e mandou a frase: "Luta se ganha no ringue, não enquanto se discute." A frase é boba, de efeito, mas aponta pro chão, aponta pra onde o ato se constrói, pra onde é a queda, pra onde não tem porquê. Eu abandonei a discussão, Carlos, tenho me enchido de cansaço porque ela anda simplista, fora de prumo, atrás de significados e sem impertinência, e aí tanto faz se em Fortaleza ou em qualquer outro canto. Mas não abro mão de minha postura, do meu lugar político como poeta, por isso tenho a impressão de que não larguei o chão enquanto faço um pouco de silêncio e ando mais devagar, mas é só um pouco.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=680310
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