terça-feira, 30 de agosto de 2011




Onde estão os mestres?

Guardei esta matéria no meu computador, acreditando que iria 'envelhecer'. Observo, ao contrário, que está cada vez mais atual. E para quem se interessa pelo assunto, uma sugestão: a leitura do belíssimo Poema pedagógico, de Anton Makarenko...

10/08/2009 - 09h38
Alunos cubanos são melhores que os brasileiros porque seus professores sabem mais, diz pesquisador dos EUA
Simone Harnik
Em São Paulo
Avaliações internacionais revelam que o desempenho de estudantes cubanos em matemática e linguagem é bastante superior ao dos brasileiros. E, segundo o pesquisador da Universidade de Stanford Martin Carnoy, há uma razão para essa performance diferenciada na ilha de Fidel: lá a qualificação dos docentes é melhor e o envolvimento, maior.

"A causa principal [para Cuba se destacar nas provas] é que os professores têm mais domínio da disciplina e têm uma clara ideia de como ensiná-la", afirmou o pesquisador ao UOL Educação.

Carnoy estudou as diferenças nos sistemas de ensino do Brasil, de Cuba, e do Chile. Os resultados foram sintetizados no livro "A vantagem acadêmica de Cuba", publicado no Brasil pela Ediouro em parceria com a Fundação Lemann. Durante a última semana, o acadêmico ministrou palestras divulgando o trabalho no país.

A boa formação do magistério em Cuba é traduzida em alta cobrança aos estudantes - e isso cria um círculo virtuoso, já que os melhores alunos acabam se tornando professores no futuro. "Tudo isso acontece, porque o sistema apoia o professor, ensinando-o a lecionar", diz.

Segundo o norte-americano, no Brasil, a maior parte dos docentes não é formada nas melhores universidades - que, por sua vez, pouco abordam a didática das disciplinas. "Os professores brasileiros não são ensinados a ensinar o currículo. Eles estudam teorias e têm de aprender a lecionar na prática, o que não é um bom método", avalia.
Diretores envolvidos
Além disso, a função do diretor da instituição de ensino em Cuba, afirma o pesquisador, é bem definida: "Ele é responsável pelo nível de instrução de cada estudante. Os diretores sabem exatamente o que cada aluno está aprendendo, sabem o que acontece na escola e com a família". "No Brasil, este papel não é claro. Raramente os diretores visitam as salas de aula", acrescenta.

E o trabalho desse gestor na ilha é beneficiado pelo rigor de um conteúdo programático centralizado. "Em Cuba, não há diversidade no currículo. Em qualquer lugar do país, os estudantes devem aprender a mesma matéria ao mesmo tempo. Isso não acontece no Brasil, há muita diversidade nos currículos", opina.

A abertura no currículo e a falta de rigor sobre o que deve ser ensinado tornam-se mais preocupantes, associados ao fato de que os alunos brasileiros são dispersos e menos solicitados a realizarem exercícios individuais ou coletivos durante as aulas - eles passam pouco tempo em cada tarefa. Em seu estudo de campo, Carnoy verificou isso filmando aulas de matemática nos dois países.

"Os estudantes cubanos recebem uma folha para resolverem problemas. Depois do trabalho, eles discutem de verdade os erros. No Brasil, ainda há professores que passam a matéria na lousa. Os alunos são chamados para resolverem no quadro-negro e, se erram, os professores apagam e não debatem", relata. "É possível mudar essa situação, o que vai exigir muito esforço e vontade política."
Contexto social
O contexto social, de acordo com Carnoy, é outro fator relevante na análise das notas. "Cuba é uma sociedade centralizada e há grande ênfase na educação. O Estado garante que as crianças recebam uma boa educação e saúde", aponta.

O cuidado com a saúde cubano leva ainda a uma nutrição mais vigorosa do corpo discente. Além disso, diz Carnoy, em Cuba praticamente não existe trabalho infantil e violência escolar. As crianças estudam em um ambiente mais seguro e menos desigual que o brasileiro.

"O contexto social em Cuba é muito melhor para as crianças com baixa renda. No Brasil, 40% dos pobres ou muito pobres vivem em condições muito difíceis para aprenderem", diz.

Mas, não, Carnoy não apoia o regime político fechado e autoritário da ilha. "Valorizo a liberdade, e esta é uma questão a se pensar. Vivo em uma sociedade que é muito desigual - 25% das crianças norte-americanas vivem na pobreza e não têm liberdades. Já, em Cuba, os adultos têm poucas liberdades, mas as crianças têm o direito de crescerem saudáveis", relativiza.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011



AQUI NO HAY DIOS

César Cantoni 

Aquí no hay dios, ni griego ni romano,
que presida ninguna ceremonia.
No hay oro ni laurel para los vencedores.

Aquí no hay más que un piquete de obreros,
con martillos neumáticos, rompiendo la calzada,
haciendo un pozo que no será nunca
el ombligo del mundo, la fuente de las revelaciones.

Un pozo más hondo que el sentimento de los dioses,
más negro que el propio corazón humano.

In Triunfo de lo real, 2001.


AQUI NÃO HÁ DEUS

Aqui não há deus, nem grego nem romano,
que presida nenhuma cerimônia.
Não há ouro nem prêmio para os vencedores.

Aqui não há mais que um piquete de trabalhadores,
com martelos pneumáticos, quebrando a estrada,
fazendo um poço que não será nunca
o umbigo do mundo, a fonte das revelações.

Um poço mais fundo que o sentimento dos deuses,
         mais negro que o próprio coração humano.

        (Tradução de Ronaldo Cagiano, publicada em Rascunho, julho de 2011)

1 - Como você destacaria Mauro Mota diante da Geração 65 e de Carlos Pena Filho, só para citarmos algumas das vertentes da poesia mais marcantes do Estado a partir da segunda metade do século passado?

Não gosto muito dessa definição, Geração 65. É uma espécie de batismo acadêmico para poéticas tão diferentes quanto as de um Esman Dias, de um Jaci Bezerra, de um Orley Mesquita, de um Domingos Alexandre ou de um Alberto Cunha Melo, para citar apenas alguns nomes. A própria poesia do Noticiário, de Alberto, claramente marcada pela violência dos anos de ditadura, é diferente daquela de seus últimos livros. Penso que a poesia marcante, da qual tentamos fugir para não cair nas suas teias, foi a de João Cabral de Melo Neto. Mas todos leram Mauro Mota e, para mim, foi uma poesia que me chamou a atenção desde que abri o livro O galo e o cata-vento. Ele, Joaquim Cardozo e João Cabral eram (e são ainda) leituras obrigatórias. Teceram alguma coisa de especial na linguagem, na temática. E havia também outro poeta, que foi certamente um dos mais próximos de nossa geração (embora hoje se fale tão pouco dele), Audálio Alves. Era quem nos recebia no seu escritório, para nos falar de García Lorca, de Míguel Hernández, de Juan Ramón Jiménez.

2 - É possível pensar numa leitura política da obra de Mauro Mota, do tipo em pensar nele como um autor de esquerda ou de direita, apesar de temas políticos não estarem explícitos em sua literatura?

Essa pergunta é interessante, porque suscita uma questão que foi posta como pauta no suplemento cultural Pernambuco deste mês, ou seja, o que em literatura é ‘politicamente correto’. Não conheci Mauro Mota, a não ser através das histórias de pessoas que convieram com ele. Foi bom ter sido assim. Pois o descobri através da leitura de seus livros. No contexto do Pernambuco da época seria fácil considerar Mauro Mota um tanto conservador. Então, não havia muita possibilidade para o meio termo, o embate político era muito forte, aqueles que se posicionaram claramente (e não foram poucos) sofreram revezes, ficaram 'marcados', como se dizia, foram embora de Pernambuco. Também vários intelectuais, que hoje se dizem de ‘esquerda’, se posicionaram claramente favoráveis ao discurso que caucionou o início da ditadura militar. Depois, alguns reavaliaram suas posições, mudaram de ideia, como é de praxe ao longo de nossa história. Mas, pergunto, quem, senão Mauro Mota, escreveu o libelo Boletim sentimental da guerra no Recife ou o poema sobre a demolição de um patrimônio histórico como a Igreja dos Martírios? Ou aqueles tão ‘sociais’ quanto Cercas, A rendeira ou A tecelã?

3- O que lhe atraiu na obra de Mauro Mota, a ponto de organizar um volume poético dele?

Um livrinho branco, editado pela Livros de Lisboa, O galo e o cata-vento. Um livro diferente como objeto e conteúdo. Versos que falavam dos panos da lavadeira, como estes: Libertos da trouxa tremem/as calças e os paletós./Doem na pedra pano e carne/sem anotações no rol. Cantiga de lavadeira, seria mais tarde escolhido pelas crianças da Escola Mauro Mota para ser encenado na ocasião do lançamento de sua Obra poética. Ora, quando um poema, que parece complexo, toca as crianças, há pelo menos duas leituras possíveis: a de que elas são capazes de discernir o que há de belo e de emocionante num texto poético e que a poesia tem a capacidade de nos fazer enxergar o mundo de uma forma nova, diferente. Não é por acaso que as duas edições da obra poética de Mauro Mota, organizadas por mim e por Sônia, editados pela Ensol (a primeira por iniciativa de Renato Cunha, do Sindaçúcar) esgotaram-se rapidamente. O que certamente ocorrerá com as coletâneas de crônicas e poemas que estão sendo editadas pela Cepe – Companhia Editora de Pernambuco.

4 - Por que você acha que a poesia de Mauro Mota não teve a repercussão da de muitos dos seus contemporâneos?

Não concordo muito com essa pergunta, porque ela induz a resposta. Primeiro, a literatura que repercute nem sempre é a que permanece. Penso ‘repercussão’ na sua acepção latina, algo que ricocheteia ou se reflete como eco. Na percussão como estrondo, explosão. Acontece que o estrondo ecoa, mas desaparece. Ora, a poesia, como a de Mauro Mota, é algo sutil, que escorre como água, esgueira-se por todos os cantos de nossa casa, de nossa alma. E fica guardado. Acho que essa é a verdadeira literatura. Em seguida, não temos influências de muitos. Herdamos um pouco de muitos, mas somos influenciados por poucos. Além disso, quando se trata de um verdadeiro artista, as influências são como retalhos com os quais ele constrói sua própria obra, retalhos às vezes tão pequenos que não são perceptíveis quando o lençol de seus textos fica quarando ao sol. Elas, as ‘influências’, se diluem tanto em seus escritos, que ele acaba por não perceber onde estão localizadas as cicatrizes no corpo do poema.

5 - Quando falamos em Mauro, lembramos sempre de tópicos como o Recife, saudade, as ruas, as elegias. Seria essa uma leitura ainda reduzida da sua obra, uma espécie de clichê?

O clichê é uma forma sub-reptícia de afastar qualquer forma de crítica. E a crítica é prática difícil nas sociedades em que predominam certas formas de compadrio e também de rejeição. Essas sociedades não suportam uma avaliação teórica ou estética, tudo repercute nas relações pessoais.
Alguns dos poemas de Mauro Mota, considerados os 'melhores', são, a nosso ver, menos interessantes do que outros, sobre os quais ninguém fala. As Elegias, por seu efeito lírico, podem tocar mais facilmente o leitor. Mas o observador crítico diria que estão longe de ser os poemas mais representativos da obra de Mauro Mota. Quanto à sua geografia lírica, ela não apenas resgata lembranças de seu microcosmo. Ela tem a mesma tessitura daqueles versos de Joaquim Cardozo, que celebram o Recife “morto, mutilado e grande/Pregado à cruz das novas avenidas”. Mauro Mota e Joaquim Cardozo foram dois poetas de percursos diferentes, mas tocados pela mesma ferida. Escreveram elegias à cidade que eles intuíam fadadas a ser esmagada para se tornar uma metrópole fria e desumana. Metrópole onde as cadeiras na calçada seriam tangidas – como de fato veio a acontecer - pela fumaça dos canos de escape dos automóveis.

(Entrevista Jornal do Commercio 17.08.2011)

sábado, 13 de agosto de 2011




Meu lugar
Se a cidade é uma reunião de cidadãos, não é o caso do lugar onde moro. Onde moro, metade sobrevive em altos edifícios, construídos feito bunkers, nos quais os vizinhos às vezes nem mesmo se dão bom-dia. A outra, em favelas, sobre morros que despencam ou em mangues que se alagam quando a maré sobe. As pessoas das duas metades não se conhecem, suas relações são de inveja ou medo. Uma teme o assalto; a outra, a polícia. Uma se desloca em automóveis, enfrentando motos, buracos, sinais desordenados, caminhões que descarregam mercadorias em pleno dia e o carro do lixo que nunca sai à noite. A outra trafega de ônibus, é massacrada nos pontos de ‘integração’, vive a síndrome da 'lata de sardinha' e cotidianamente corre risco de vida. No lugar onde moro o riacho próximo foi transformado em esgoto, as construções sem controle tomaram conta das calçadas, há sempre lâmpada de poste que não acende, a música brega do vizinho violenta nossos ouvidos e as crianças vagam pelas esquinas num exercício de vadiagem que as levará ao crack e ao crime. No lugar onde moro há uma associação de moradores que somente serve para arregimentar eleitores. Quando chove é lama, se faz sol, som alto e cerveja. A metade que mora no alto não sabe o que acontece no rés-do-chão. Moro num lugar onde todo mundo reclama, mas ninguém protesta. Para uns é o lugar do ‘outrora’, para outros, o dos 'de fora'. Decididamente, não moro numa cidade. Sobrevivo num território do desgosto.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011



Outubro, 2008

Leio jornais
e sinto o roçar da barba de Marx
em nossa pele.
Não o Marx de papel cromo:
o dos furúnculos que se multiplicam
como crianças trituradas
nos teares de Manchester.
Leio os jornais
e faz calor nos trópicos,
mais do que de costume,
nesses cem anos de Lévy-Strauss.
Ei-lo
a decompor as equações da mais-valia,
enquanto fios de barba enroscam-se
nos chips que medem a pulsação do sexo
nos corredores de Wall Street.
Seja bem-vindo, velho Marx!
Mesmo com a mancha de café na gola da camisa,
contas a pagar no bolso esquerdo do casaco,
cabeça a mil nos esquemas da reprodução ampliada.
Leio os jornais
e sinto tua barba a incomodar de novo
jovens estagiários de terno e gravata,
especuladores que acompanham as cotações da Bolsa,
empresários que apostam nas próximas estações...
Aqui estarás a salvo em alguma favela,
conversarás com personagens de subúrbio,
olharás ao longe o Cristo que abre os braços,
como quem diz:
Fiz o que pude!
Depois, voltarás para casa,
reformulando velhas ideias sobre
o lumpenproletariat,
mesmo sem saber se irás torcer
pelo Vasco ou pelo Flamengo...

(Poeiras na réstia. 7Letras. Rio de Janeiro. 2010)