domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mentes, mente

O primeiro autômato a desafiar a mente humana foi intitulado “O Turco”. A geringonça foi construída em 1769 por um certo Johan Wofgang von Kempelen, escritor, inventor. Edgar Alan Poe, escritor de gênio, estudou detidamente os pequenos detalhes visíveis do funcionamento do intrigante aparelho que jogava xadrez e teria induzido à derrota até mesmo Napoleão. Após assistir a inúmeras apresentações do autômato, Poe logo perceberia que “O Turco” não era “pura máquina”. E antes de o embuste ter sido desfeito na prática, o escritor já havia colocado em ‘xeque’ o estranho engenho. Segundo sua opinião, uma verdadeira máquina não poderia perder uma única partida. Os argumentos utilizados por Poe para desvendar a farsa estão contidos no conto/ensaio O jogador de xadrez de Maelzel, do livro Histórias extraordinárias. A nosso ver, esses argumentos avançam alguns daqueles que seriam utilizados, mais de cem anos depois, no famoso Teste de Turing. Alan Turing foi o matemático britânico que concebeu um teste, numa publicação de 1950 (Computing Machinery and Intelligence), para verificar se um programa de computador é ou não ‘inteligente’. Turing foi também quem primeiro concebeu, em 1952, sem auxílio de computador, um programa para o jogo de xadrez.
A questão da inteligência artificial versus inteligência humana foi objeto de um livro muito interessante, intitulado A mente nova do rei, de Roger Penrose (cuja edição original, The Emperor’s New Mind – Concerning Computers, Minds and the Laws of Physics, é de 1989). Curiosamente, em nenhum trecho do livro há referência ao ensaio de Poe, embora a literatura tenha sido, em mais esse exemplo, mais rápida do que a ciência...
Somente em 1997, o argumento de Poe foi comprovado, quando o famoso computador Deep Blue, da IBM, conseguiu derrotar o super campeão de xadrez, Kasparov. O próprio Kasparov, em artigo recente (na revista New York Review of Books, de 11 deste mês) reconhece a capacidade inusitada do computador para ganhar partidas de xadrez, embora lamente o fato de as pessoas jogarem cada vez mais como máquinas, em vez de utilizarem o xadrez para iluminarem o conhecimento da mente humana. Ou, assim pensamos, para apreciarem a arte de jogadas clássicas de gênios como Capablanca ou Philidor. Aliás, voltando ao autômato “O Turco”, acabou sendo descoberto que dentro dele havia sempre um enxadrista escondido. Um deles, segundo consta, era o francês Jacques-François Mouret, por sinal parente do próprio Philidor...
Essa história de “O Turco”, bem conhecida do mundo enxadrístico, foi retomada recentemente no romance A máquina de xadrez, do alemão Robert Löhr, publicado em 2007, pela Record. Ainda não o li, mas penso que deve ser boa leitura para um fim-de-semana...
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Um comentário:

heliojesuino disse...

Olá Norões
Belo post, esse. Coincidentmentte acabo de ler um conto do E.T.A. Hoffmann onde ele trata do mesmo tema.
Chama-se "O autômato",e a geringon ça era um boneco vestido de ... turco! E seguramente não por acaso - ele era admirador confesso do Poe.
Grande abraço

ps. esse livro de crônicas do Arlt a que vc se refere no post anterior, tem tradução para o português?