quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um grande espetáculo

Século XXI. O mundo estarrecido com 33 homens soterrados a mais de 600 metros de profundidade, em discutíveis condições de trabalho, numa mina falida, em pleno deserto de Atacama. O Chile não é apenas país de terremotos. É também o de massacres de mineiros. Permanece vivo na memória nacional o famoso episódio da matança de Santa María de Iquique, quando cerca de 3.000 operários foram executados pelo exército chileno. Foi em 1907. Mas, desde então, o que terá mudado? O presidente recém-eleito, magnata ligado às multinacionais, entendeu a situação e agiu com presteza: tudo transformou num grande espetáculo, no qual caberia a ele o principal papel. Os 33 operários certamente passarão de heróis a cobaias. Pois é preciso saber o quanto o homem suporta, para que possa ser arrancado da terra o metal que serve para fabricar os instrumentos de morte e para alicerçar um modelo de desenvolvimento desenfreado, do qual não podemos  conceber o fim.
Na noite do resgate destes 33 mineiros chilenos, restava ler Pablo Neruda, no seu Canto Geral, traduzido  por Paulo Mendes Campos.


Era já alta noite, noite profunda,
como o interior vazio de um sino.
Ante meus olhos vi os muros implacáveis,
o cobre derruído na pirâmide.
Era verde o sangue destas terras.(...)

As vértebras do cobre estavam úmidas,
descobertas a golpes de suor
na infinita luz do ar andino.
Para escavar os ossos minerais
da estátua enterrada pelos séculos,
o homem construiu as galerias
de um teatro vazio.
Porém a essência dura,
a pedra em sua estatura, a vitória
do cobre fugiu deixando uma cratera
de ordenado vulcão, como se aquela
estátua, estrela verde,
fora arrancada ao peito de um deus ferruginoso
deixando um oco pálido socavado nas alturas.

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