quarta-feira, 30 de março de 2011


O 'herói' cobrado

Para quem se orgulha do passado colonial, famílias ‘tradicionais’ ou baronatos trocados a custa de baraço e cutelo, vale a pena ler um de nossos maiores historiadores, Capistrano de Abreu. Mais de três séculos depois do fato aqui narrado, numa espécie de ironia cruel, a ditadura militar criaria a famigerada Operação Bandeirantes. Eis um pequeno texto ilustrativo de Capistrano:

“No dia se São Francisco Xavier (3 de dezembro de 1637), estando celebrando a festa com missa e sermão, cento e quarenta paulistas com cento e cinquenta tupis, todos muito bem armados de escopetas, vestidos e escupis, que são ao modo de dalmáticas estofadas de algodão, com que vestido o soldado de pés à cabeça peleja seguro das setas, a som de caixa, bandeira tendida e ordem militar, entraram pelo povoado, e sem aguardar razões, acometendo a igreja, disparando seus mosquetes. Pelejaram seis horas, desde as oito da manhã até as duas da tarde.
Visto pelo inimigo o valor dos cercados e que os mortos seus eram muitos, determinou queimar a igreja, onde se acolhera a gente. Por três vezes tocaram-lhe fogo que foi apagado, mas à quarta começou a palha a arder, e os refugiados viram-se obrigados a sair. Abriram um postigo e saindo poe ele a modo de rebanho de ovelhas que sai do curral para o pasto, com espada, machete e alfanjes lhes derribavam cabeças, truncavam braços, desjarretavam pernas, atravessavam corpos. Provavam o aço de seus alfanjes em rachar meninos em duas partes, abrir-lhes a cabeça e despedaçar-lhes os membros.
Compensará tais horrores e consideração de que por favor dos bandeirantes pertencem agora ao Brasil as terras devastadas?”

(In Capítulos de História Colonial e Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil.  Brasília. Ed. Universidade de Brasília. 1982.)

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