quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Funâmbulo

Jean Genet

Uma lantejoula de ouro é um disco minúsculo feito de metal dourado, trespassado por um orifício. Tão fina e tão leve que pode flutuar sobre a água. Às vezes, uma ou duas ficam agarradas aos cachos de cabelos de um acrobata.
Este amor – quase desesperado, mas repleto de ternura – que deves demonstrar ao teu arame, terá a mesma força desse fio de ferro que suportará teu peso. Conheço os objetos: sua crueldade, sua perversidade e também sua gratidão. O arame estava morto – mudo, cego, como quiseres – ei-lo: agora vai viver e falar.
Tu o amarás de um amor quase carnal. Cada manhã, antes de começar teus ensaios, quando ele estiver tenso e vibrante, vai dar-lhe um beijo. Pede-lhe que te suporte e te conceda a elegância e um jarrete ágil. Ao fim de cada sessão, reverencia-lhe, agradece-lhe. E quando, à noite, ele ainda estiver enrolado, guardado em sua caixa, fique com ele e o acaricie. E, então, coloca docemente tua face contra a dele.
Certos domadores usam de violência. Podes tentar domar teu arame. Mas não te fies nisso. O arame, como a pantera e, segundo se diz, como o povo, gosta de sangue. Assim, é melhor tentar domesticá-lo.
Um ferreiro – só um ferreiro de bigodes grisalhos e largas espáduas pode se permitir tais delicadezas – saudava assim, a cada manhã, sua amada, sua bigorna:
- Oh! Minha bela!
De noite, o dia já findo, sua mão calejada a acariciava. A bigorna não parecia insensível àquele gesto e o ferreiro se surpreendia comovido.
Incumbe ao arame executar a mais bela expressão possível; não a tua, mas a dele. Teus pulos, teus saltos, tuas danças – na gíria dos acrobatas, teus volteios, saltos mortais, estrelinhas etc – serão executados não para que brilhes, mas para que o arame, que jazia morto e sem voz, possa, enfim, cantar. E, assim, ele te será grato: se fores perfeito em tuas atitudes, não n busca de tua glória, mas a dele.
Que o público, maravilhado, o aplauda:
_Que arame maravilhoso! Como ele suporta tão bem seu bailarino e como ele o ama!
Ao chegar a tua vez o arame será para ti o mais maravilhoso bailarino.
E, então, será o chão que te fará tropeçar!

Obs.: Pequena homenagem a Jean Genet no seu centenário. A ilustração é de Giacometti.

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