segunda-feira, 2 de maio de 2011


Como as esferas

Ramón López Velarde (1888-1921)

Menininha que eras
brevidade, redondez e cor,
como as esferas
que nos consoles
de uma sala ortodoxa mitigam o esplendor.
Menininha hemisférica e algo triste
que tuas lágrimas púberes me deste,
que no mês do Rosário
a meus olhos fingias
amapola dizendo ave-marias
e que deixavas em idílio proletário
e em minha gravata indigente,
qual um aroma dúplice, tua ternura nascente
e teu catolicismo milenário. 

Em dia de báquicos desenfreios,
me dizem que perguntas por mim; te evoco
tão pequena, que podes banhar teus plenos
encantos dentro de um pouco
de licor, porque cabe tua estátua pia
na última taça de uma cristaleira:
e revives redonda, castiça e breve
como as esferas
que nos consoles
do século dezenove
amortecem sua gala
verde ou azul ou carmesim,
e copiam, na curva que se parece a ti,
o inventário dessa morta sala.

(Ilustra: escultura de Fernando Botero)

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