domingo, 28 de abril de 2013





A Arca de Arturo Corcuera

Um poeta faz falar suas sombras e, ao mesmo tempo, povoa uma Arca de Noé com figuras da fundação de um mundo tão distante do monte Ararat, mas próximo do delírio que precede a criação de qualquer obra instigante. Este poeta é Arturo Corcuera. No confronto de dois mundos que conformaram seu país, o Peru, o movimento dialético de destruição e da criação engendrou monstros, mas fez desabrochar coisas nunca vistas, escritas até então impensadas. Da síntese dolorosa brotam obras primeiras, primas. Como Trilce, de Cesar Vallejo. Como o Noé delirante, de Arturo Corcuera.
Se outros de seus trabalhos haviam afirmado a dimensão de sua poética (a exemplo de Puerto de la memoria), Noé delirante é aquele no qual recorre ao seu universo mítico e desdobra-se num trabalho poético que lembra, em certos aspectos, a oficina de Montaigne: a do texto nunca acabado, burilado à guisa de testamento, e cujo intento é dizer, mais e com mais perfeição, de cada bicho, de cada objeto, de cada coisa. E de todo o incriado.
Mas o poeta Arturo Corcuera não é só livro, como alguns poetas que se limitam a lutar contra as palavras. Nele há um verbo encarnado, um apego a chão e estrela, a gente e a bicho. Sua poesia alimenta-se tanto da paixão como da ironia, vale-se dos elementos mais comuns de nossas vidas e dela poderíamos dizer como ele o fez sobre o capim: Gracias, hierba,/Naces para mitigar/Las durezas del camino.
Conhecemos Arturo Corcuera e Rosa na sua Villa de Santa Inés, em Chacaclayo, no vale do rio Rimac, arredores de Lima, lar que ele apelida morada dos duendes. O aconchego de um dia nos tornou amigos e nos fez cúmplices, a mim e a Sônia, da sua maneira de ser poeta. Era preciso ir até lá, como nos aconselhara nosso amigo comum, Thiago de Melo, para apreciar

La huerta y sus racimos,
el cielo de los pájaros,
aquella flor que passa
(la rosa es esta Rosa
que perfuma la casa).
En Santa Inés, morando
entre el cerro y el río.
Duendes, árboles, sueños:
el universo mío.

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