A Arca de Arturo Corcuera
Um poeta faz falar suas
sombras e, ao mesmo tempo, povoa uma Arca de Noé com figuras da fundação de um
mundo tão distante do monte Ararat, mas próximo do delírio que precede a
criação de qualquer obra instigante. Este poeta é Arturo Corcuera. No confronto
de dois mundos que conformaram seu país, o Peru, o movimento dialético de
destruição e da criação engendrou monstros, mas fez desabrochar coisas nunca
vistas, escritas até então impensadas. Da síntese dolorosa brotam obras
primeiras, primas. Como Trilce, de
Cesar Vallejo. Como o Noé delirante,
de Arturo Corcuera.
Se outros de seus trabalhos
haviam afirmado a dimensão de sua poética (a exemplo de Puerto de la memoria), Noé
delirante é aquele no qual recorre ao seu universo mítico e desdobra-se num
trabalho poético que lembra, em certos aspectos, a oficina de Montaigne: a do
texto nunca acabado, burilado à guisa de testamento, e cujo intento é dizer,
mais e com mais perfeição, de cada bicho, de cada objeto, de cada coisa. E de
todo o incriado.
Mas o poeta Arturo Corcuera
não é só livro, como alguns poetas que se limitam a lutar contra as palavras.
Nele há um verbo encarnado, um apego a chão e estrela, a gente e a bicho. Sua
poesia alimenta-se tanto da paixão como da ironia, vale-se dos elementos mais
comuns de nossas vidas e dela poderíamos dizer como ele o fez sobre o capim:
Gracias, hierba,/Naces para mitigar/Las durezas del camino.
Conhecemos Arturo Corcuera e
Rosa na sua Villa de Santa Inés, em Chacaclayo, no vale do rio Rimac, arredores
de Lima, lar que ele apelida morada dos duendes. O aconchego de um dia nos
tornou amigos e nos fez cúmplices, a mim e a Sônia, da sua maneira de ser
poeta. Era preciso ir até lá, como nos aconselhara nosso amigo comum, Thiago de
Melo, para apreciar
La huerta y sus racimos,
el cielo de los
pájaros,
aquella flor que
passa
(la rosa es esta
Rosa
que perfuma la
casa).
En Santa Inés,
morando
entre el cerro y
el río.
Duendes, árboles,
sueños:
el universo mío.
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