Malabarismos
As histórias infantis se equivocam ao
fazer crer aos seus leitores que o Bem sempre vence o Mal e a Sabedoria sempre derrota
a Astúcia. Quase nunca é assim.
Poucos percebem a ironia do malabarista que se exercita no sinal vermelho da avenida e diz ao proprietário do automóvel que lhe dá gorjeta (ou esmola?):
- Com isso vou comprar um carro!
Ele sabe que as acrobacias do
político, do empreiteiro, do traficante serão sempre melhor recompensadas do que a alquimia do
artista para transformar sofrimento em alegria ou êxtase. O malabarista transpira no cruzamento da Padre Roma com a Rosa e Silva para conseguir alguns trocados e diz aquilo sabendo que nunca terá automóvel e que as pessoas nem consideram o que ele faz como um trabalho. É difícil perceber que ele está falando sério porque nossa cultura - a mesma que nega recursos ao artista - incutiu-nos que querer é poder e com esforço sempre
se consegue chegar lá. Essa ideologia do 'esforço' é a mesma que abafa o ócio criador.
Na mesma ordem de pensamento, é
também um equívoco pretender que diploma confere ao titular capacidade para
realizar alguma obra. Recentemente, um burocrata da cultura exigiu de um músico
a certificação de cursos e diplomas para o exercício de sua profissão, como se assinaturas com firmas reconhecidas fossem mais
importantes do que o exímio exercício da arte. O argumento de que a ausência de papéis justifica a negação da já pobre recompensa financeira atribuída aos artistas seria cômica se não padecesse
daquela crueldade que foi tão genialmente esmiuçada por Kafka.
Quando o músico - alguém
reconhecido até por platéias estrangeiras eruditas - contou-me sua desventura com o
funcionário da cultura que tentara lhe negar recursos para um trabalho sério, logo lhe contei o episódio de quando Villa
Lobos chegou a Paris e, interrogado sobre quais universidades havia frequentado, respondeu sem hesitar:
- A de Pixinguinha e João
Pernambuco!
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