domingo, 28 de abril de 2013




 Malabarismos



As histórias infantis se equivocam ao fazer crer aos seus leitores que o Bem sempre vence o Mal e a Sabedoria sempre derrota a Astúcia. Quase nunca é assim. 
Poucos percebem a ironia do malabarista que se exercita no sinal vermelho da avenida e diz ao proprietário do automóvel que lhe dá gorjeta (ou esmola?):
- Com isso vou comprar um carro!

Ele sabe que as acrobacias do político, do empreiteiro, do traficante serão sempre melhor recompensadas do que a alquimia do artista para transformar sofrimento em alegria ou êxtase. O malabarista transpira no cruzamento da Padre Roma com a Rosa e Silva para conseguir alguns trocados e diz aquilo sabendo que nunca terá automóvel e que as pessoas nem consideram o que ele faz como um trabalho. É difícil perceber que ele está falando sério porque nossa cultura - a mesma que nega recursos ao artista - incutiu-nos que querer é poder e com esforço sempre se consegue chegar lá. Essa ideologia do 'esforço' é a mesma que abafa o ócio criador.

Na mesma ordem de pensamento, é também um equívoco pretender que diploma confere ao titular capacidade para realizar alguma obra. Recentemente, um burocrata da cultura exigiu de um músico a certificação de cursos e diplomas para o exercício de sua profissão, como se assinaturas com firmas reconhecidas fossem mais importantes do que o exímio exercício da arte. O argumento de que a ausência de papéis justifica a negação da já pobre recompensa financeira atribuída aos artistas seria cômica se não padecesse daquela crueldade que foi tão genialmente esmiuçada por Kafka.  

Quando o músico - alguém reconhecido até por platéias estrangeiras eruditas - contou-me sua desventura com o funcionário da cultura que tentara lhe negar recursos para um trabalho sério, logo lhe contei o episódio de quando Villa Lobos chegou a Paris e, interrogado sobre quais universidades  havia frequentado, respondeu sem hesitar:

- A de Pixinguinha e João Pernambuco!

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