
Joaquim Cardozo e o Recife
Gilberto Freyre
O recifense verdadeiramente devoto do Recife sabe que entre os santos desse seu culto está um mártir: Joaquim Cardozo. O Joaquim Cardozo que se antecipou em ver o Recife sob a ameaça de ser crucificado na “cruz das avenidas novas”; e desde então vem ele próprio sofrendo a dor dessa crucificação de sua cidade materna.
Nenhum poeta mais profundamente identificado com o Recife de ruas estreitas e de sobrados característicos do que ele: toda avenida larga que aqui se vem abrindo sobre as ruínas desses bons e honestos sobrados e todo arranha-céu inexpressivo que aqui os vem desajeitadamente substituindo nos últimos trinta anos, são golpes a que Joaquim Cardozo só vem sobrevivendo fazendo de suas dores poemas. Goetheanamente, portanto...
São dores de santo-poeta-mártir, as suas. Outros exaltem os progressos recifenses; louvem as pontes novas; as avenidas novas; os novos arranha-céus. Ele chegará ao fim dos seus dias cantando outro canto: saudoso de valores que faziam do seu Recife uma cidade única e que destruídos o vão deixando reduzido a um tristonho ex-Recife.
A poesia mais expressiva desse poeta autêntico – um dos poetas máximos da sua geração brasileira – é quase toda ela marcada pela dor de quem vem perdendo no passado desfeito de sua cidade não relíquias dignas apenas de museus, porém valores merecedores de ser renovados, ampliados, desenvolvidos; e nunca devastados com violência simplista e de todo substituídos com estrangeirices espúrias.
Uma poesia não de saudosismo piegas, mas de saudade viril.
Tristes dos pobres diabos que confundem tal saudosismo com essa espécie de saudade; e ostentam sua confusão em discursos com pretensões a “progressistas”.
Eles passam depressa. Seus discursos murcham nos jornais do dia seguinte. Enquanto o clamor de Joaquim Cardozo pelo Recife autêntico, genuíno, que vem sendo tão brutalmente crucificado “na cruz das avenidas novas”, este é um clamor impregnado da melhor poesia: já está nas antologias e vibrará enquanto existir a língua portuguesa.
GILBERTO FREYRE, in Jornal do Commercio, Recife, 1967.
O recifense verdadeiramente devoto do Recife sabe que entre os santos desse seu culto está um mártir: Joaquim Cardozo. O Joaquim Cardozo que se antecipou em ver o Recife sob a ameaça de ser crucificado na “cruz das avenidas novas”; e desde então vem ele próprio sofrendo a dor dessa crucificação de sua cidade materna.
Nenhum poeta mais profundamente identificado com o Recife de ruas estreitas e de sobrados característicos do que ele: toda avenida larga que aqui se vem abrindo sobre as ruínas desses bons e honestos sobrados e todo arranha-céu inexpressivo que aqui os vem desajeitadamente substituindo nos últimos trinta anos, são golpes a que Joaquim Cardozo só vem sobrevivendo fazendo de suas dores poemas. Goetheanamente, portanto...
São dores de santo-poeta-mártir, as suas. Outros exaltem os progressos recifenses; louvem as pontes novas; as avenidas novas; os novos arranha-céus. Ele chegará ao fim dos seus dias cantando outro canto: saudoso de valores que faziam do seu Recife uma cidade única e que destruídos o vão deixando reduzido a um tristonho ex-Recife.
A poesia mais expressiva desse poeta autêntico – um dos poetas máximos da sua geração brasileira – é quase toda ela marcada pela dor de quem vem perdendo no passado desfeito de sua cidade não relíquias dignas apenas de museus, porém valores merecedores de ser renovados, ampliados, desenvolvidos; e nunca devastados com violência simplista e de todo substituídos com estrangeirices espúrias.
Uma poesia não de saudosismo piegas, mas de saudade viril.
Tristes dos pobres diabos que confundem tal saudosismo com essa espécie de saudade; e ostentam sua confusão em discursos com pretensões a “progressistas”.
Eles passam depressa. Seus discursos murcham nos jornais do dia seguinte. Enquanto o clamor de Joaquim Cardozo pelo Recife autêntico, genuíno, que vem sendo tão brutalmente crucificado “na cruz das avenidas novas”, este é um clamor impregnado da melhor poesia: já está nas antologias e vibrará enquanto existir a língua portuguesa.
GILBERTO FREYRE, in Jornal do Commercio, Recife, 1967.
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