quarta-feira, 13 de maio de 2009


Paul-Louis Rossi: inscape e descoberta

Fazia frio e placas de gelo brilhavam ao sol nos tanques do Jardim de Luxemburgo. No Café de Luxemburgo, eu e Sônia desfrutamos uma inteira tarde (ou tarde inteira) a companhia do poeta francês Paul-Louis Rossi, que havíamos conhecido em Nantes. Intelectual importante de sua geração, para ele a poesia não se restringe aos livros: invade a existência, move-se numa paisagem interior, nuvem ou onda, a cada inscape, como ele define nesse texto, a partir de uma idéia do poeta inglês Gerard Manley Hopkins:


Inscapes


Paul-Louis Rossi
Traduz-se inscape, em francês, como Paisagem interior. Essa interpretação, satisfatória, não revela a complexidade da noção de inscape, elaborada por Gerard Manley Hopkins, poeta de língua inglesa.
Embora pouco traduzido, e quase desconhecido na França, considero Hopkins um dos maiores poetas da lírica contemporânea. Nasceu em 28 de julho de 1844, em Stratford, na Inglaterra. Menino, freqüentou a Gramar School de Sir Robert Cholmondesley, em Highgate, onde também estiveram Coleridge, De Quincey e Keats.
Em 1866, Hopkins abandonou a religião anglicana e se converteu ao catolicismo. Na Inglaterra vitoriana essa conversão equivalia a um suicídio social. Foi renegado por seus amigos, e mesmo pela própria família. Ingressou na ordem dos Jesuítas, em Roehampton, em 1868, no País de Gales. E queimou seus poemas de juventude.
Foi em 1872, na ilha de Man, que descobriu Duns Scot, aquele que foi cognominado o Doutor Sutil – teólogo da escola franciscana, no século XIII, que polemizou com a doutrina de Tomás de Aquino – e reconciliou Hopkins consigo mesmo, com o mundo sensível, a arte, a poesia.
O teólogo escocês pensava que a divindade encontrava-se em cada elemento do universo, as plantas, os rochedos, as nuvens, como na religião dos celtas. Scot escreveu: a revelação tem no universo um papel prático; ela suplementa a razão lá onde ela não pode chegar.
A partir da filosofia de Duns Scot, Hopkins construiu a noção de Instress, que seria necessário explicar como:

O golpe que atinge o observador pela força intrínseca contida em todo objeto que lhe dá força e vida...

Ele toma a nuvem como exemplo para explicar essa noção:

A forma de uma nuvem é impressa: instressed pelo vento...

Para reencontrar a noção de inscape é preciso reter essa imagem da nuvem que se compõe e se decompõe ao sopro do vento. Ele anotou em seu diário:

Esta manhã, inscape
de nuvens...

É preciso admitir que essa imagem da nuvem, inscrita na visão é, entretanto, fugidia. O inscape não se perpetua, surge para alguém susceptível de reconhecê-la na sua integridade, na sua originalidade e beleza. Mas desaparece ao menor vento.
A própria palavra inscape é um neologismo forjado por Hopkins, a partir de landscape. Portanto, paisagem interior, motivo íntimo, esquema do intrínseco:

O instante apreendido na sua própria forma...

Como John Ruskin e William Turner, Hopkins exprime uma noção moderna da estrutura totalizante de uma paisagem, da forma de uma nuvem que se abisma sobre uma ribeira.
Gerard Manley Hopkins faleceu em 8 de junho de 1889, no seu retiro de Tullabeg. Está enterrado no Jesuit Plot de Glanevin, na Irlanda. Era obcecado pela miséria material e moral do povo. Escreveu a Robert Bridges, em 1871:

Temo, no entanto, que estejamos à beira de alguma grande revolução. É terrível dizer, mas, num certo sentido, sou comunista...

Essa ida e vinda na existência e o laboratório do escritor inglês nos permite escolher o título de Paysage Intérieur – inscape – com a intenção de criar para os visitantes uma escapatória, uma visão, um universo mental, uma perspectiva onde eles possam se reconhecer.
Desejo que cada um dos visitantes retenha o que lhe convém ao espírito e ao seu gosto. A literatura é como a onda, ou a nuvem, que passam. Cada onda apaga um pouco a marca da precedente, idêntica, embora diferente. Cada nuvem traz ao céu sua própria cor. É desejável que cada visitante imagine e leia nesse movimento a realidade e a forma de seu desejo.
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In Paul-Louis Rossi: Paysage intérieur; inscape. Nantes: Bibliothèque Municipale de Nantes/éditions joca seria. 2004.
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Um comentário:

Conrado Falbo disse...

será a idéia de inscape uma espécie de abordagem ZEN da criação poética? aos meus olhos, as afinidades (ou afinações?) são numerosas demais para serem ignoradas...