sábado, 30 de maio de 2009


Joaquim Cardozo e o Recife

Gilberto Freyre

O recifense verdadeiramente devoto do Recife sabe que entre os santos desse seu culto está um mártir: Joaquim Cardozo. O Joaquim Cardozo que se antecipou em ver o Recife sob a ameaça de ser crucificado na “cruz das avenidas novas”; e desde então vem ele próprio sofrendo a dor dessa crucificação de sua cidade materna.
Nenhum poeta mais profundamente identificado com o Recife de ruas estreitas e de sobrados característicos do que ele: toda avenida larga que aqui se vem abrindo sobre as ruínas desses bons e honestos sobrados e todo arranha-céu inexpressivo que aqui os vem desajeitadamente substituindo nos últimos trinta anos, são golpes a que Joaquim Cardozo só vem sobrevivendo fazendo de suas dores poemas. Goetheanamente, portanto...
São dores de santo-poeta-mártir, as suas. Outros exaltem os progressos recifenses; louvem as pontes novas; as avenidas novas; os novos arranha-céus. Ele chegará ao fim dos seus dias cantando outro canto: saudoso de valores que faziam do seu Recife uma cidade única e que destruídos o vão deixando reduzido a um tristonho ex-Recife.
A poesia mais expressiva desse poeta autêntico – um dos poetas máximos da sua geração brasileira – é quase toda ela marcada pela dor de quem vem perdendo no passado desfeito de sua cidade não relíquias dignas apenas de museus, porém valores merecedores de ser renovados, ampliados, desenvolvidos; e nunca devastados com violência simplista e de todo substituídos com estrangeirices espúrias.
Uma poesia não de saudosismo piegas, mas de saudade viril.
Tristes dos pobres diabos que confundem tal saudosismo com essa espécie de saudade; e ostentam sua confusão em discursos com pretensões a “progressistas”.
Eles passam depressa. Seus discursos murcham nos jornais do dia seguinte. Enquanto o clamor de Joaquim Cardozo pelo Recife autêntico, genuíno, que vem sendo tão brutalmente crucificado “na cruz das avenidas novas”, este é um clamor impregnado da melhor poesia: já está nas antologias e vibrará enquanto existir a língua portuguesa.

GILBERTO FREYRE, in Jornal do Commercio, Recife, 1967.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Everardo Norões tem já uma consolidada obra poética,reconhecida,admirada e respeitada.Vem se notabilizando,também,por organizações de antologias de grande relevância.Cito algumas:Mauro Mota(com a descoberta de uma nova elegia),poetas peruanos,Carlos Pellicer e outras.Agora sai pela Nova Aguilar a obra poética de Joaquim Cardoso,organizada por ele.Como curador desta obra ele escolheu grands nomes de nossa crítica para a resenha crítica desta edição.Edição que tem várias aspectos a serem louvados,entre eles,a redescoberta de um grande poeta e a reparação de um um grande injustiçado e esquecido poeta.Grande poete,diga-se.
Acontece,que o próprio Everardo Norões também foi vítima de uma injustiça ao não ter seu nome na edição como organizador.A edição dá a entender que o o organizador foi outra pessoa.
Isto não me revolta-sentimento que está a se tornar inútil-,isto me entristece.LUIZ ARRAES.