quarta-feira, 13 de maio de 2009


Contos negreiros

É tudo ‘déjà vu’. O africano negro de Jean Rouch entrevista a parisiense nas escadarias do Trocadero. Pede que ela lhe mostre os dentes, fazendo perguntas à passante francesa, branca, num exercício de etnografia às avessas. As histórias de Contos negreiros, de Marcelino Freire (São Paulo: Record, 2005) também parecem esquetes do início dos anos 60, tempo em que o teatro buscava levar às massas alguma mensagem política. Tudo muito rápido, ‘pedagógico’, tratado pela terapia do choque. Mas o que sobra da linguagem, do literário? O discurso do narrador não consegue convencer e o difícil salto entre a linguagem ordinária e a transcendente resulta num grande escorregão. Estamos longe de um Caio Fernando Abreu ou de um Jean Genet, para os quais o exercício de dissecar o lado negro do humano não tinha limites. Mas o que escreviam se revestia de certa aura. A arte moderna há muito nos deixou uma certeza: o feio e o repulsivo para serem transfigurados exigem um certo gênio. O tipo de literatura a que se filia Contos negreiros é certamente o mais difícil de ser praticado, porque não permite meio termo. As resenhas podem amparar o movimento das editoras. Mas o que fica da literatura? Só o tempo dirá...

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