terça-feira, 18 de maio de 2010

 
O primeiro escritor


Vivemos num país de muitos países, de muitas literaturas. Por isso, acabamos por desconhecer escritores de outras regiões.
É o caso de Álvaro Maia, é o caso do Amazonas. Além de escritor e poeta, Álvaro Maia foi governador do Amazonas por mais de dez anos, senador durante três mandatos.
Assis Chauteaubriand o considerava um dos maiores escritores da Amazônia e do Brasil. Conta que ao ouvi-lo discursar, certo dia, observou que o “tocante e misterioso antepassado” daquele poeta amazonense devia ser um mujique da estepe russa.
O poeta amazonense tinha algo, conforme acentuou o jornalista, de personagem de Tolstoi. Mas seus antepassados chegaram tangidos pela seca. Seu pai foi obrigado a trocar o Cariri cearense pelos altos seringais do Béem, nos campos gerais do Humaitá. Foi na época em que a expansão da borracha arrastava, então, milhares de sertanejos para o Inferno Verde, embarcados nos porões de navios do Lóide Brasileiro, mar acima, e nas “gaiolas” pelos rios do Amazonas, rio abaixo. Faltava apenas o chicote do feitor, conforme narra Álvaro Maia. Porque, segundo ele, “a nostalgia dos sertões, mesmo crestado pelas secas, era o banzo dolorido, que não deixava de curvar as cabeças do rebanho humano”.
 Despejados nos seringais – como o do rio Madeira, onde nasceu, os sertanejos eram submetidos a um regime de exploração implacável. Euclides da Cunha, em anotações que fez durante sua missão no Alto Purus, descreveu como a “mais poderosa organização de trabalho que ainda engendrou o mais desaçamado egoísmo”.
Naquele mundo de criminosos, aventureiros e místicos – elementos que costumam povoar os grandes desertos – onde se mesclavam lendas amazônicas e tradição nordestina, nasceu a literatura de Álvaro Maia. Ali, o ouvido atento do escritor registraria as histórias que iriam compor livros como Gente dos Seringais e Beiradão.
A prosa de Álvaro Maia e pertence à linhagem da literatura de um Ferreira de Castro, de A Selva, ou de um Alberto Rangel, de O Inferno Verde.
Quando eu era jovem, Álvaro Maia visitou o Crato. Veio rever a terra de seu pai, visitar parentes. Lembro-me dele, da conversa em almoço na casa de meu pai, do qual era parente, em torno dos pratos da terra (o arroz de pequi, o baião de dois, o doce de buriti...). Nada de literatura. O assunto era o destino da parentela, a situação das terras da família, o futuro político do antigo governador do Amazonas...
Só depois, vieram os livros pelo correio, com dedicatórias ao meu pai. E eu os li com a curiosidade de quem havia conhecido pela primeira vez um escritor...
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