segunda-feira, 6 de abril de 2009




A palavra perdida
María Zambrano

Não somente a linguagem mas as palavras todas, por únicas que nos pareça, por solitárias que partam e por inesperada que seja a sua aparição, aludem a uma palavra perdida, o que se sente e se sabe de imediato, por vezes na angústia, e numa espécie de alvorecer que a anuncia a palpitar por momentos. E ela também é sentida a pulsar no fundo da própria respiração, do coração que a guarda, penhor do que a esperança não consegue imaginar. E na própria garganta, fechando com a sua presença a passagem da palavra que ia sair. Essa porta que a alva fecha quando se abre. O amor que nunca chega, que desfalece ao chegar a aurora, o inapreensível que parte dos que vão morrer ou estão já a morrer, e que lutam – tormento da agonia – por a deixar aqui e a derramar e que já não lhes é possível. A palavra que se vai com a morte violenta, e a que sentimos que a precede como guia, a guia dos que, enfim, podem morrer.
Perdida a palavra única, segrefo do amor divino-humano. E não estará ela assinalada por aquelas privilegiadas palavras quase imperceptíveis, como o murmúrio de uma pomba: Direis que me perdi,/Que, andando enamorada,/Por perdida me dei e fui ganhada. *
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(*) do Cantico espiritual, de San Juan de la Cruz.
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ZAMBRANO, M. Clareiras do bosque. Lisboa: Relógio d'Água. 1995 (tradução de José Bento)
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